memórias inventadas
"words are poisoned darts of pleasure" FF
terça-feira, 5 de abril de 2011
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
untitled 3
Há dois anos não conversavam direito. Há dois anos não sentavam sozinhos na cozinha para encher a cara e fantasiar futuros possíveis.
Eram noites doídas, porque ela via em seus olhos que o único futuro que ele vislumbrava estava sentado à sua frente, ajeitando a franja a cada 2 minutos e piscando os olhos devagar, falando de uma casa na praia, um filho quem sabe e um grande amor que ela vivia para buscar, mas nunca encontrava.
Ele mentia que seria feliz com uma casa rústica no interior da Irlanda, algumas crianças e uma mulher que cozinhasse curry para ele todas as noites. Doía, mas era quase terapêutico – um lembrete muito bem vindo de que nunca nos apaixonamos por quem gostaríamos de nos apaixonar.
De todos os homens que gostaria muito de ter amado, foi para ele que Alice desejou mais ter dito “Eu te amo”. Ensaiou milhões de vezes em pensamento, mas soava sempre duplamente falso. Primeiro porque não era exatamente verdade – não como ele gostaria –, e segundo porque tinha que ser dito em outra língua, e I Love you é cinematográfico demais pra ser crível.
Agora, dois anos mais tarde, num desses dias tão bonitos que acabam espalhando melancolia por todos os lados, Alice acordou de um cochilo com a nítida certeza – quase uma urgência – de que precisava dizer que o amava. Não um amor de largar tudo; estava feliz e, pelo que sabia, ele também. Mas era dessas fúrias que começam no estômago, sobem pelo pescoço e começam a latejar em todas as partes do corpo se não se faz nada a respeito.
Alice ponderou por exatos dez segundos. E se ele entendesse tudo errado? Se largasse e namorada e viesse atrás dela? Foda-se, pensou. Os outros que lidem com as nossas verdades. Abriu o gmail e escreveu, com dois anos de atraso e toda a sinceridade que esses pequenos momentos de lucidez absoluta proporcionam.
I’ll say it in Portuguese, so it doesn’t sound fake:
Eu te amo, Neil.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
desencontrados
Larguei meu coração num vagão qualquer de um trem da central line, numa noite estranhamente fria de Julho. Consigo vê-lo agonizando, preso naquele ziguezague cor de sangue, morrendo um pouco a cada parada. Vez ou outra paro diante da porta, apresento um amor possível, mas não há o que fazer. Ele precisa querer. Querer não se preocupar com o vão (entre o trem e a plataforma, entre a insensatez e a terra firme)
Tento convencê-lo de que cair é sempre a melhor opção.
Acontece que sempre que estou encarando o abismo e estico os braços para trazê-lo comigo, meu coração perde uma batida lembrando daquela noite quase quente de julho, daquele quase beijo, daquela quase paixão. Ficamos suspensos, meu coração e eu. E ele perde mais uma vez a estação.