Vale sincornizar o último post com Dark of the matinée, do Franz.
O post de hoje é uma introdução ao próximo post.
Descida
Charles Baudelaire
A taça de vinho denunciava o descompromisso com a vida material naquela noite cinza de outubro. Estava finalmente cansada de se convencer de que tudo estava onde deveria estar – a cicatriz no lábio inferior não a deixaria esquecer. Se era verdadeira a dor ou se precisava deixar-se desmoronar para legitimizar sua humanidade, já não importava. Ia sangrar, era preciso. De concreto apenas a embriaguez, o rock da moda e a folha em branco a encará-la.
A folha em branco a humilhá-la.
Vai gabaritar a prova de amanhã, mas acaso vive?
Adormeceu resguardada pela dormência que resulta de um bom camenère. Já fazia alguns dias que apenas adormecia quando deixava de sentir, de pensar demais. Gostaria de sonhar, de ser outra durante a noite, mas o sono embalado pelo álcool trazia apenas mais escuridão; e mal estar na manhã seguinte.
Abriu os olhos e percebeu que havia deixado a persiana aberta e o sol lhe cortava a retina.
Caralho.
Tudo o que não precisava era de claridade para interromper a seqüência de dias chuvosos que vinha embalando aquela semana.
A prova, a merda da prova.
Precisava de café, um litro de café. Sabia que precisava comer, mas o vazio físico combinava com o sentimental. Levantou, colocou a água para ferver, a garrafa de vinho jogada ao lado do lixo, o cheiro de álcool fermentado só fazia piorar o enjôo.
Puta que pariu, que vontade de vomitar. Vontade de vomitar o vazio, virar do avesso, quem sabe. Começar tudo de novo.
Sabia que ao decidir abraçar os sentimentos estava seguindo por uma estrada ainda não percorrida, não fazia a menor idéia de quais feridas estava abrindo e, pior, do quão extensas elas eram. Mas como queria cutucá-las, fazê-las sangrar e infeccioná-las. Havia metido na cabeça que não seria feliz sem que antes conhecesse a fundo a solidão, o sofrimento. Todos sofriam, todos reclamavam, tomavam remédios, iam ao psicólogo, ficavam destruídos a cada término de namoro.
Eu sou maluca. A prova, porra, a prova.
Virou o café em um gole, sentiu a pele descolar do céu da boca, sempre suportara bem a dor. Desconfiava que gostasse. Sabia que gostava, na verdade.
Vestiu-se, enfiou as coisas na mochila, os óculos escuros na cara e saiu. Sempre descia de escada, mas dessa vez pegou o elevador.
6 comentários:
tudo o que eu tenho a dizer é: vida longa aos fiorentinos ;)
Cada dia mais feliz em te ler com freqüência...
lindo!
só tenho uma coisa a dizer pra senhorita: autobioficção. hahahahaha!
amei o conto, lu
Ai, ai... teorias...
A faca de dois gumes é aceitar que tudo passa: os momentos bons, e os momentos ruins.
But then again, você já disse isso em sua teoria sobre o tempo (acredito eu).
=)
Ok, isso faz de vc parecida com meu melhor amigo e com a minha futura segunda esposa. O que é preocupante.
(=
E a parte óbvia...
Bah comprei a idéia na primeira linha!! :) bjss
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