Gosto de pensar que as coisas nos sentem assim como nós sentimos as coisas. Eu explico. As pessoas mais sensíveis, quando entram em um lugar novo ou estão perto de um objeto pela primeira vez, sentem uma vibração positiva ou negativa emanando dessas coisas. Pra mim, colocar nome e tratar com afeição celular, carro, apartamento e notebook é uma brincadeira que esquenta — no sentido de fazer mais feliz — a vida. E antes que alguém pense em dizer “coitada, não deve ter ninguém”, aviso logo que família, amigos e namorado vão muito bem, obrigada. Vejam bem, três anos aqui e nenhuma barata; isso tem que significar algo de bom.
Olhando em volta, vejo hoje alguns pregos a mais, o branco já não mais imaculado das paredes, a mancha perfeitamente redonda demarcando o lugar onde ficava o relógio que nunca andou. Parece piada, mas o relógio da cozinha nunca funcionou. Parando pra pensar, o contorno na parede é tão eficaz quanto o relógio em si. Talvez ele tivesse me sentido naquela tarde, há três anos, quando o retirei da prateleira da loja de departamentos, ainda muito antes de me mudar, sob protestos da minha mãe, que dizia ainda não ser hora de comprar coisas pra minha casa. Talvez naquele momento ele tivesse sentido a minha necessidade de brincar com o tempo, o meu desgosto por linearidades, pelo menos no papel. Muito provavelmente ele já havia sentido que os três anos que estavam por vir contariam por muitos. E ainda assim passariam tão, tão depressa.
E ainda que outras demãos de tinta cubram de um branco perfeito novamente as paredes, que a massa corrida tampe os buracos que fiz e que consertem-se as portas do armário e o tampo do baú, a troca já está feita. Eu já senti a casa e a casa já me sentiu. E nem o chão gelado e a sala assustadoramente vazia esfriam o ambiente enquanto escrevo.
Quanto ao relógio preguiçoso, sobreviveu por um descuido, ou por sentir que vou sempre precisar de algo (alguém) para descompassar o meu tempo.
— Ué, amor, cadê o relógio? Tá quebrado, eu ia jogar fora.
— Putz, empacotaram e eu nem vi.
7 comentários:
Que lindo o seu texto, Lully.
Você está por todo o canto do teu furutor ex-canto, e ele também está todo em você.
=) Acho isso magicamente lindo, pois ao 'final' da vida somos umam mistura de lugares, objetos e pessoas...
Beijos Verdes ENORMES
P.S.: Curiosamente meu último post se chama Projeção. Acabei de ver que te post passado tem esse título. =)
Foda.
Lembrei daquela conversa que a gente teve no Informal do lado da minha casa sobre a minha onda de frequências e o poder da palavra e o quanto é a gente que "vibra" o sentido das coisas pras coisas.
É o brilho eterno de uma mente com lembranças.
=)
amei
o relogio realmente nao funcionou, né.. e de fato, passou muito depressa... e foi muito intenso..
nhá. já estou com saudades. esse texto já me deixou blá.
saudades saudades saudades.
te amo muito
deixa teu relógio-amuleto descontar minutos pra você, intensamente, no resto do percurso.
~
e essa próxima fase vai também durar muito, mas passar rápido (e vice-versa, por que não?).
~
(não resisti e comprei aquele vestido que você experimentou aquele dia.)
~
não abandona o blog, e nem some da gente?
amei!!!
ai.. deve ter sido triste despedir-se do seu cantinho!
boa viagem minha linda! divirta-se e aproveite bastante!
we're gonna miss u!!!
beijão
É bem essa mesmo, infelizmente eu não dou nome as coisas, por que eu tenho o péssimo costume de perde-las, quando eu comprar um carro talvez, meu chaveiro tem nome. O que é bom, eu me apego a ele. ( infelizmente, consegui perder a chave que costumava ficar presa a ele.)
Fofo demais o texto, adoro ler sensibilidade, e odeio ter que dizer que coisas sensiveis são fofas, mas é a isso que estamos reduzidos!
Fora a "teoria da fofura" foda. Vou continuar lendo, afinal, o colchão não é meu amigo, e tem baratas no perimetro o que desestimula o sono de uma forma assustadora.
(=
(y)
Ja tinha lido, mas foi bom reler. :)
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